A Dor e a criança:
Embora a ocorrência de dor em pediatria seja um fato atualmente aceito na prática assistencial, seu reconhecimento e tratamento permanecem insuficientes e ineficazes, tanto em função da incapacidade, de neonatos, lactentes e pré-escolares, em relatarem verbalmente a presença de dor, quanto em função da escassa experiência em analgesia pediátrica.
Atualmente, sabe-se que recém-nascidos, incluindo-se prematuros, são capazes de experienciar sensações dolorosas.
Os receptores sensitivos cutâneos estão presentes na região perioral do feto por volta da 7ª semana gestacional e espalham-se pela face, palmas das mãos e plantas dos pés na 11ª semana de gestação(5º,6º*). Ao final da 30ª semana, as células responsáveis pela percepção dolorosa inicial estão completamente desenvolvidas. Embora os mecanismos de controle e modulação dos estímulos dolorosos sejam imaturos ao nascimento, pode-se afirmar que o feto e o recém-nascido possuem, quase que integralmente, os componentes anatômicos necessários à percepção do estímulo doloroso;
Origem da dor na criança:
- procedimentos diagnósticos e terapêuticos;doenças infecciosas (otites e amigdalites), acidentes, fraturas, queimaduras, doenças oncológicas e reumáticas, anemia falciforme, procedimentos cirúrgicos, entre outras.
Interferências externas:
A expressão dolorosa na criança pode ser afetada por múltiplos aspectos, como condições ambientais (estímulos ruidosos ou luminosos são capazes de exacerbar as reações frente à dor), estímulos elaborados, que podem provocar ansiedade e elevar a sensação dolorosa (a visão de uma agulha ou de pessoas vestidas de branco, a sensação do cheiro de álcool), influência comportamental da família, além de aspectos sociais e financeiros.
Se não tratada
Quando não tratada, a dor provoca inúmeros efeitos deletérios na criança, a exemplo de alterações metabólicas, elevação nos níveis de hormônios circulantes, aumento da susceptibilidade às infecções, alterações do fluxo sangüíneo cerebral e hemorragia ventricular, hipóxia, episódios de apnéia, congestão venosa, utilização de reservas de glicose, alteração dos padrões de sono e vigília e alterações comportamentais frente a outros episódios dolorosos
Tratamento da dor:
- é fundamental que a dor em crianças seja adequadamente identificada, avaliada e, sobretudo, tratada. A identificação da dor em pediatria pode ser considerada como o principal componente limitante no seu tratamento adequado, uma vez que se considera o relato verbal como a principal fonte indicativa de dor e recém-nascidos, lactentes e crianças pré-verbais são incapazes de verbalizarem a queixa.
Por isso que a atenção profissional deve-se voltar para os aspectos não-verbais observados como resultado do estímulo doloroso.
Alterações comportamentais são mais freqüentemente associadas à dor em crianças:
- choro, mímica facial, movimentação de membros (extensão e flexão), aumento de tônus muscular, rigidez torácica, indisponibilidade para contato visual e auditivo, alteração no padrão alimentar e na relação mãe-e-filho;
Alterações fisiológicas e metabólicas:
- presentes igualmente em crianças e adultos, incluem: aumento de freqüência cardíaca e da pressão arterial, aumento da freqüência respiratória e alteração do padrão respiratório, queda de saturação de oxigênio, cianose, aumento da pressão intracraniana, dilatação pupilar, suor palmar, tremores, aumento dos níveis séricos de cortisol, epinefrina, norepinefrina, glucagon, hormônio do crescimento, endorfinas, supressão de insulina e aumento na excreção de substâncias nitrogenadas.
O relato dos pais ou cuidadores deve ser valorizado na identificação de alterações comportamentais e fisiológicas.
Escalas de dor em pediatria:
Baseadas nessas alterações, diversas escalas foram desenvolvidas com o objetivo de identificar a dor em crianças incapazes de comunicarem-se, que podem ser utilizadas favorecendo uma avaliação mais precisa.
1) Período neonatal: inclui bebês, do nascimento ao 28º dia de vida, as escalas mais freqüentemente utilizadas são NIPS (Neonatal Infant Pain Scale/ Escala de Dor Neonatal, desenvolvida por Lawrence et al., em 1993), PIPP (Premature Infant Pain Profile/Perfil da Dor do Neonato Prematuro, desenvolvida por Stevens et al., em 1996) e CRIES (Crying, Requires for saturation above 95%, Increased vital signs, Expression e Sleplessness, referente a choro, saturação de oxigênio, dados vitais, expressão facial e estado de alerta, desenvolvida por Krechel & Bildner em 1995, objetivando a avaliação de dor pós-operatória em pediatria), por serem escalas validadas e confiáveis.
3) Crianças com idades entre três e sete anos: é possível utilizar-se escalas que contenham desenhos como meio de quantificar a dor, como, por exemplo, escalas que mostram fotografias ou desenhos de faces de crianças (OUCHER, desenvolvida por Beyer em 1984 e ‘Facial Affective Scale”, desenvolvida por McGrath et al., em 1985), escalas numéricas (como o ‘Pain Thermometer’, com pontuação de 0 a 10, desenvolvido por Szyfelbein et al., em 1985), escala de copos (como a ‘Glasses Rating Scale’, quanto mais cheio o copo, maior a dor, desenvolvida por Waley & Wong, em 1987) e a escala de ‘pedaços de dor’ (‘Poker Chip Tool’, onde a criança quantifica, em no máximo quatro pedaços, a medida de sua dor, desenvolvida por Hester, em 1979) .
4) Crianças com idade superior a oito anos: se capazes de expressarem-se verbalmente, de maneira consistente, o auto-relato torna-se a melhor forma de identificar a dor. A queixa pode basear-se em números (através da escala visual análoga, que pontua a intensidade da dor de 0 a 10), palavras (pouca, moderada, intensa) e ainda desenhos ou figuras, conforme as escalas descritas anteriormente.
5) Crianças acima de 12 anos: pode ser uzada a caracterização da dor por meio de adjetivos, permite a mensuração de intensidade de dimensões afetiva e sensitiva, sendo possível a aplicação do questionário de Dor McGill adaptado para pediatria.
Com a finalidade de facilitar a avaliação da dor em recém nascidos e crianças, foram desenvolvidos escalas, que avaliam as alterações comportamentais e fisiológicas como sinais indicativos de dor.
A dor uma vez identificada, deve ser tratada adequadamente. As estratégias são diversas e a seleção do procedimento apropriado requer conhecimento, habilidade, atenção para condições especiais em cada caso, considerações acerca de aspectos clínicos, idade, desejos e expectativas dos pais ou cuidadores;
Tratamento da dor:
1) Farmacológico:
Para o tratamento farmacológico da dor, deve-se considerar idade e, portanto, características específicas de metabolismo e excreção de drogas, peso e natureza da dor (dores resultantes de processos inflamatórios, de procedimentos cirúrgicos, entre outros), a fim de que o medicamento e sua dose sejam adequados à situação.
Mais freqüentemente são utilizados: anti-inflamatórios não esteroidais (acetaminofeno, aspirina, dipirona, entre outros), opióides (como morfina, codeína, fentanila) e medicamentos adjuvantes (como antidepressivos e neurolépticos). É possível ainda realizar analgesia através de bloqueios anestésicos (aplicação tópica ou infiltrações), de anestesias gerais ou através de procedimentos neurocirúrgicos (pela interrupção de nervos aferentes primários, tratos e centros de processamento da dor ou ainda pela extirpação de tecidos cerebrais, em casos extremos)
É obrigação da equipe multidisciplinar cuidar para que a criança tenha direito a anlgesia e alívio da dor, assim como alívio da ansiedade e do “stress”provocado pela doença e pelo procedimento realizado pela equipe, de forma mais eficiente e segura possível.
O medo dos efeitos colaterais e do risco de dependência aos analgésicos, narcóticos e sedativos não podem ser usados para negligenciar a dor do paciente e irar seu direito aos analgésicos mais potentes.
Os membros da equipe de saúde devem agir como advogados da criança nesta questão, advertindo os colegas que não estiverem respeitando este direito da criança, favorecendo o alívio rápido da dor.
Existem analgésicos seguros e potentes e seguro o bastante para aliviar quase todas as formas de dor intensa, seja aguda ou crônica.
2)Medidas não farmacológicas:
As medidas não farmacológicas, embora pouco utilizadas, são bastante eficazes no controle da dor. Dentre elas, pode-se ressaltar: diminuição de estímulos externos (luminosidade e ruídos), respeito aos períodos de sono e repouso, manipulação mínima da criança enquanto internada, sucção não-nutritiva em recém-nascidos e lactentes, estimulação sensorial (estimulação tátil, massagens, musicoterapia, método mãe-canguru);
A dor em pediatria constitui ainda um grande desafio, mas a busca de conhecimento e o desenvolvimento de pesquisas na área são instrumentos valiosos à Enfermagem na identificação e controle efetivo deste 5º sinal vital.